terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Mesas do Castelinho

O ênfase dado ao sítio em teses de Mestrado que recentemente anunciámos, tornam a ocasião propícia a recordar a descoberta da estela das Mesas do Castelinho em 2008, na 20ª campanha de escavações.


A designação do sítio decorre da sua localização sobre duas plataformas amesetadas sobranceiras à Ribeira de Mora e pese uma primeira notícia (Vasconcellos, 1931-1933: 243), vem a ganhar destaque na comunidade científica, após uma incursão de Abel Viana, Octávio da Veiga Ferreira e do Padre António Serralheiro, em meados dos anos 50 do século XX (Viana et alii, 1956, p. 461-470), sendo alvo de breves menções sobre cerâmicas “estampilhada” (Arnaud e Gamito, 1974-1977, p. 195) ou a suposta presença de cerâmica do Bronze do Sudoeste (Schubart, 1975, p. 287).Uma busca desenfreada a um tesouro em 1986, promoveu a reviravolta nesta história, após a descoberta do tesouro ganhar contornos de pesadelo, com uma máquina retroescavadora a destruir uma considerável parte do povoado, levando à tomada de medidas preventivas por Carlos Jorge Ferreira (IPPC) (Ferreira, 1992; 1994). Após o seu malogrado falecimento, a tutela solicita a Amílcar Guerra e Carlos Fabião um projecto de investigação e salvaguarda do sítio, o qual desde 1988 congrega a investigação científica, a formação técnica de estudantes de Arqueologia e a criação de pólos de desenvolvimento local (Fabião e Guerra, 2008: 94). Em 1990 o sítio é classificado e aguarda ainda hoje a devida e merecida valorização.

Na plataforma A (ou superior) são visíveis os vestígios associados à fortificação omíada e um complexo de construções de época romana republicana, do séc. I a.C., sobreposto a níveis da Idade do Ferro, datados de entre os finais do séc. V e o séc. II a.C., como parte da muralha sidérica que define o povoado, à qual se apoiam compartimentos de cariz habitacional e oficinal. Na plataforma B (ou inferior) observava-se no inicio uma sequência desde a Idade do Ferro, com a identificação de um troço da fortificação, até a fase romana republicana e alguns vestígios romanos imperiais. As primeiras escavações deram conta dos vestígios medievais – islâmicos (em silos/fossas), romanos imperiais (mas mais uma vez, sem relação a momentos de ocupação conservados) e compartimentos romanos republicanos em bom estado de conservação, construídos por cima da fortificação sidérica e dos espaços que, pelo interior, se conjugavam com aquela linha de muralha. Com o alargamento dos trabalhos para o seu limite oriental, é posto a descoberto um complexo arquitectónico de fase romana imperial que prolongava até o séc. II d.C. a ocupação do espaço interior da plataforma B, iniciada na fase romana republicana, duzentos anos antes, com um urbanismo ímpar. Esta fase mostrava-se nas três ruas identificadas associadas a três quarteirões com blocos construtivos de tipologia e funcionalidades distintas.


Ao mesmo tempo, confirmava-se a ausência de construções da fase da Idade do Ferro, apesar da significativa quantidade de materiais arqueológicos desta cronologia identificados não só nas Ruas 1 e 3 mas também no designado 2º Quarteirão. É deste extenso espólio que faz parte a estela descoberta em 2008. O extraordinário achado fez-se, no entanto, fora do seu contexto original de utilização, num aterro de época romana-republicana.

No final da 19ª campanha, em 2007, tinha ficado preparada a escavação de um depósito de aterro na Rua 1, no qual, no seu topo, era possível observar um bloco achatado de xisto. No ano seguinte, a escavação deste aterro, datado da fase romana republicana mais antiga (séc. I a.C.) revelava que o dito bloco era, afinal, uma estela epigrafada.



Apesar de descontextualizada, apresentava, depois da sua limpeza, o mais extenso campo epigrafado com a “escrita do Sudoeste”, com 82 signos (Guerra, 2009: 325) e que se encontra exposta no MESA na exposição Vida e Morte na Idade do Ferro.


Sobre a data da criação deste monumento epigráfico, mantêm-se as incertezas. O contexto da sua reutilização tardia não autoriza uma cronologia precisa para a sua realização. A confirmar-se a datação genérica mais recuada destes monumentos epigráficos, causa alguma estranheza a sua reutilização, independentemente da cronologia (neste caso, romana republicana), num povoado que evidenciou cronologias a partir da segunda metade do I milénio a.C.. Certamente que o seu local original de deposição não deveria ser muito longínquo do seu local de identificação.

Certa, porém, é a convicção de que o subsolo deste povoado guarda ainda muita informação por descobrir e interpretar, o que, quem sabe, poderá ajudar a deslindar este verdadeiro enigma arqueológico.

Bibliografia:

ARNAUD, J. M; GAMITO, T. J. (1974-1977) – Cerâmicas estampilhadas da Idade do Ferro do Sul de Portugal. I – Cabeça de Vaiamonte – Monforte. O Arqueólogo Português. Série III. 7-9, p. 165-202.

FERREIRA, C. J. A. (1992) – Escavações no povoado fortificado das Mesas do Castelinho (Almodôvar). Relatório preliminar. Vipasca. Arqueologia e História. Aljustrel: Unidade Arqueológica de Aljustrel/ Câmara Municipal de Aljustrel. 1, p. 19-37.

FERREIRA, C. J. A. (1994) – Mesas do Castelinho. Informação Arqueológica. Lisboa: IPPAR. P. 99-101.

GUERRA, A. (2009) – Novidades no âmbito da epigrafia pré-romana do Sudoeste hispânico. Acta Paleohispánica X. Paleohispanica 9, p. 323-338.

FABIÃO, C. e GUERRA, A. (2008) – Mesas do Castelinho (Almodôvar). Um projecto com vinte anos. Al-madan. Revista de Almada: Centro de Arqueologia de Almada. II Série, nº 16, p. 92- 105.

SCHUBART, H. (1975) – Die Kultur der Bronzezeit im Sudwesten der Iberischen Halbinsel. Text. Madrider Forschungen 9. Vol 1. Berlin: Walter de Gruyter & Co. / Deutsches Archaologisches Institut. Abteilung Madrid.

VASCONCELLOS, J. L. (1933) - Excursão pelo Baixo Alentejo. O Archeólogo Português. Iª série. Nº 29 (1930-1931), p. 230-246.

VIANA, A; FERREIRA, O. V; SERRALHEIRO, P. e A. (1956) – Apontamentos arqueológicos dos concelhos de Aljustrel e Almodôvar. Actas do XXIII Congresso Luso-Espanhol da Associação Portuguesa para o Progresso das Ciências. Coimbra, 1956, 7ª Secção Ciências Históricas e Filológicas. Coimbra. VIII, p. 461-470.

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